BEM VINDO!

Bem vindo, amigo(a). Agradeço tua visita neste pequeno mundo dentro deste vasto mundo que é a Net. Comecei com uma proposta facílima de fazer, impossível de ser cumprida pelo ser humano _NÃO ERRE MAIS, e após cada postagem percebi que as idéias afloravam mais e mais, em rítmo de PG. Estou lutando para condensar 45 anos de acúmulo de conhecimentos sem perder-me em mil rascunhos, em um amálgama de idéias desencontradas. Ao final, estou descobrindo o quão estou distante da proposta do Filósofo Mor: "HOMEM, CONHECE-TE A TI MESMO".

Meus Escritos

MEUS ESCRITOS

Igual a todo mundo que lê muito e acaba escrevendo alguma coisa, eu também tenho meia dúzia de escritos em forma de poesia, outros em forma de prosa e dois livros inacabados: um de memórias e outro sobre um cara que nasce e cresce na Cidade Tiradentes, um bairro que fica no extremo Leste da Capital Paulista e que sempre disputou os primeiros lugares entre os mais violentos. Do primeiro, embora eu já tenha mais de setenta páginas prontas, não postarei sequer o título, uma vez que somente o publicarei na aposentadoria, evitando, assim, melindres da parte de algumas pessoas que serão nele mencionadas; já o outro, Tico CT, pretendo postar seu primeiro capítulo a fim de colher as impressões das pessoas que venham a fazer a leitura. O mais difícil era montar o Blog, o resto está deslanchando meio que por instinto, continuo viajando a cada acesso, a cada postagem, a cada nova descoberta.






Tico CT




A história de uma vida bandida


  PRÓLOGO


Meu nome é Tico. Tico CT, para ser mais exato. Oficialmente sou Abimael José dos Santos Júnior, um nome besta como qualquer outro. Tão besta que preferi esquecer. Ainda mais que pensar nele é lembrar de meu pai, que foi embora quando eu tinha 05 anos de idade, deixando minha mãe com três filhos pequenos e sem eira nem beira. Nunca mais deu notícias, ninguém sabe pra onde foi, como ou por quê. Sei que com certeza você já conhece essa estória, acontece todos os dias com dezenas de famílias, de repente um cearense, baiano ou outro brasileiro qualquer arruma as malas e vai embora, desaparece como o homem que arrumou outra mulher, ou como o cara que é atropelado e morre como um indigente, ou como o ladrão anônimo que é morto pela polícia e vai parar num IML qualquer.
Poderia me chamar Manoel, Pedro ou Zé, mas meu nome é Tico, Tico CT, como gosto de ser chamado. Ando pela Cidade Tiradentes com 23 anos nas costas e uma pistola 9 mm na cintura esperando o dia da minha morte. Sou um ladrão e esta é a minha estória. Aqui vou te contar coisas que nunca contei pra ninguém, que minha mãe nem imagina (desculpa, mãe), os sistemas nunca descobriram.
Sistemas? Sim, os sistemas. O sistema social, para o qual sou o cidadão Abimael, com carteira de motorista, CIC e Registro Geral. O sistema prisional, para o qual sou um ex-detento egresso, com DVC, RG criminal e uma ficha com inquéritos. O sistema do mundo do crime, ignorado por muitos, com outros que fingem não existir, com outros que o margeiam sem jamais encontrar a porta de acesso e com outros que encontraram a porta, pensando que entrariam por si mesmos e, ao invés disso, por ela foram tragados, como se fosse um buraco negro, um mundo dentro de outro mundo, uma sociedade dentro de outra sociedade, um sistema onde prevalece a lei do mais forte no momento, às vezes do que der mais sorte.
Um mundo com regras diferentes, onde ninguém morre de velhice, onde quem começa cedo, com 15 anos, dificilmente chega aos 22, 25. Um mundo maldito, com códigos e leis malditas. Um mundo onde as meninas bonitas (as “cachorras”), rodam a banca da irmandade, engravidam aos 15 anos de qualquer ladrão e aos 20 já estão meio destruídas, velhas e cansadas de carregar o “jumbo” semanal para as cadeias ou CDPs, encurvadas ante a humilhação da revista semanal, da pressa das visitas íntimas sem o menor tesão, apenas por que é assim que é, assim que tem de ser.
Se você está neste sistema, então sabe do que estou falando. Sabe que é quase impossível sair dele. E, aqueles que saem, levam marcas do sistema na pele, na mente, entranhados no seu ser. E deixam pedaços aqui, estórias que jamais serão contadas.
Este é apenas um prólogo, um preâmbulo, por isso não falarei mais nada. Esta é a estória de alguém que está dentro do sistema criminal. Meu nome é Tico CT e esta é a minha estória.


MANO MARCÃO



       Acordou com a boca seca, a cabeça doendo e o celular tocando sem parar. Esticou o braço, desligou o aparelho e virou-se para o outro lado, porém o sono foi embora. Tentou continuar na cama, mas as imagens da noite começaram a surgir, primeiro lentamente, depois tão rápido que sua cabeça começou a doer, parecia que iria estourar.
     Sentou-se, olhou em volta para certificar-se que estava sozinho, as imagens dos caras correndo para cima deles o atropelavam, quase que dava para ouvir novamente os tiros, o Marcão caindo, a arma ainda na mão, uma confusão só. Lembrou dos socos que tomara do cara de azul, sentiu o inchaço acima da orelha, apalpou o braço esquerdo onde aparou uma cadeirada e aí avistou a pistola 9 mm no chão do quarto, sobre sua japona. Olhando a arma, tudo clareou de vez, os detalhes do ocorrido na noite anterior vieram à tona com toda amplitude, sopesou os fatos, dimensionou-os segundo a conveniência do momento.
      Subitamente teve plena consciência de que precisava “lembrar” de todos os detalhes do ocorrido. Ele e o Marcão tinham ido até São Mateus para acertar uma entrega de droga, porém, enquanto esperavam no Bar do Gaúcho a chegada do contato, um cara que estava numa mesa com vários amigos achou que o Marcão estava mexendo com sua mina, daí rolou a discussão, a briga e, de repente, uns quatro ou cinco caras saíram capotando o Marcão, enquanto um outro o jogava contra a parede, dando-lhe uma cadeirada.
       Enquanto tentava safar-se, ouviu dois tiros e viu o Marcão caindo, a nove na mão direita, a esquerda no peito. Tentando ajudar o mano, abaixou-se e apanhou a arma e aí, no desespero, passou a atirar como um louco em qualquer um que passasse na sua frente, ajudando o mano a levantar-se, puxando-o em seguida para fora do bar.
     Na esquina, o Marcão caiu de vez e não levantou mais. A polícia estava chegando e então Tico pegou sua moto e saiu rasgando, deixando a moto do Marcão onde estava. De resto, sabia que havia chegado em casa sujo de sangue, machucado, cansado, aturdido, tinha caído na cama e dormido sem parar até o celular tocar.
        Levantou-se enfim e enfiou-se no chuveiro, tentando alinhar seus pensamentos e descobrir o que fazer. Quando já estava se vestindo a campanhia tocou e pelo olho mágico pode ver o Marquinhos, um ladrãozinho que fazia umas fitas com eles, olhando com verdadeira aflição pra porta. Quando abriu a porta Marquinhos ficou olhando-o como se fosse um ET, depois pegou seu braço, apertou-o como para se certificar que ele era real mesmo e então começou a falar, numa enxurrada de palavras:
          _ E aí, mano, e aí? O que aconteceu? Meu, tá todo mundo te procurando, falaram que cê tinha morrido, outros estão dizendo que cê foi preso, cara. E aí, conta o que aconteceu, caramba, mano, mataram o Marcão, eu sei que você estava na fita, tem gente falando que foi você que matou o cara que derrubou o Marcão, que você baleou uma mina, que deu uns dez tiros lá num bar em São Mateus, sei lá, cara, tá a maior confusão e... (nesse momento Marquinhos engasgou e deu chance para Tico puxá-lo para dentro de casa e fechar a porta).
                  – Pára, mano, pára um pouco. Minha cabeça já tá super confusa e você não pára de falar. Calma, irmão, senta aí que vou tentar explicar tudo, mas antes me diz uma coisa, o Marcão morreu mesmo, mataram o cara?
            _ Pois é, mano, é verdade. O irmão do André reconheceu o corpo, está lá no 65 DP, o pessoal tá reunido na casa da Solange, ninguém sabe ao certo o que aconteceu, disseram uma pá de coisas, até que você também tinha morrido, mas como tua moto apareceu aí na rua, me mandaram voltar aqui de novo, é a terceira vez que venho, já bati umas cem vezes na tua porta, tá louco, parecia que você não tava aí dentro ou que estava morto. Os manos estão te esperando, tá ligado?
   _ Manos, que manos, Marquinhos?

        _O Paulinho, a Solange, o Jumento, o pessoal da rua 10. Cara, cê não vai acreditar, tem uns manos dos Gráficos, até. E mais, o André trocou umas idéias com a Solange e com os manos e resolveram que você vai tocar o negócio do Marcão, sacou? Cara, já pensou? Tico, agora você é o cara, meu! Agora todo o esquema do Marcão, toda a correria, os contatos, tudo será do jeito que você quiser.  
               _ Espera aí, Marcos. Vai devagar que não tou entendendo nada. Você falou que todo o esquema aqui das casinhas vai ficar comigo? E o Paulinho, cara, e os outros manos? Os caras viviam esperando o Marcão rodar para dominar o esquema, e aí?
                   _ Tico, aí é que tá o xis da questão. Como você matou o cara que fez o Marcão, os manos reconheceram que você tem culhão pra tocar o esquema e pronto, ninguém vai brigar pelas casinhas, o negócio fica na tua mão, ta ligado? Agora, se você mijar, é melhor sumir da Tiradentes por que vai embaçar pro teu lado, tá ligado?
_                 _ Olha, Marquinhos, ainda não acredito nem que tou vivo, quanto mais nisso tudo, mas, vá lá. Tou dentro. Diga ao Paulinho e pros outros manos que daqui a pouco chego lá na 25, ta bom?
_           _Falou, cara, valeu_ disse Marquinhos, levantando-se e caminhando para a porta. Parou nela, virou-se e encarou o amigo: _ Tico, eu acho que você tem o dom, cara, eu acho que você vai conseguir. Não mije pra ninguém e você vai vencer, mano. Virou-se e partiu em seguida. 
                 Com a partida de Marquinhos Tico arriou o corpo na beira da cama, meio pasmado, tanto com o número de informações quanto pelo excesso de emoções, tudo de uma só vez, achando que tava tudo embaçado, muito embaçado mesmo. Em seguida, conforme ia pensando mais friamente, via como o destino é engraçado, inesperado.   
              Começara a correr junto com o Marcão disposto a mata-lo na primeira oportunidade e agora, de repente, não só o cara estava morto mas, surpresa, todo o esquema do inimigo acabara caindo em suas mãos. Que grande ironia essa do destino. Não se conteve, sorriu, depois acabou rindo. Estava vingado e, ainda que sem querer, dera um golpe de mestre. 
          Pegou a japona que estava no chão, deixou a pistola sobre a cama e do bolso direito da japona retirou um revólver pequenino, tipo “buldoguinho”, de cabo emborrachado. Abriu o tambor, tirou um cartucho usado, na gaveta do guarda-roupas pegou um outro cartucho novo e completou a carga, fechou a arma, passou um pano no tambor e colocou-a ao lado da outra sobre a cama. 
           Limpou a manga da jaqueta que ainda estava com manchas de sangue, vestiu-a e recolocou o revólver no bolso da jaqueta (teria que mandar cerzir o furo no bolso), pegou a 9 mm, sopesou-a, examinou-a com carinho (a arma do Marcão!!), tirou o pente, viu que só tinha 03 balas, deu outra risadinha, quantas vezes vira o Marcão abrir a japona para os manos virem a nove (era quase um ritual de demonstração de poder), recolocou o pente, deu o golpe, jogando uma para a agulha. Agora, teria que providenciar munição de nove (quem sabe a Mônica, a mulher do Marcão, teria algumas de reserva), colocou a arma na cintura, sacou-a rapidamente, apontando-a para sua imagem no espelho, tornou a guarda-la na cintura e dirigiu-se para a porta.
         Antes de abri-la, fez cara feia como se estivesse intimando alguém e deu uma puxadinha na jaqueta, deixando a pistola aparecer, como o falecido fazia. Sorriu, levantou a mão direita fechada e bateu duas vezes no peito, depois estendeu-a aberta como se fosse um pastor abençoando um fiel e pronunciou com toda a solenidade: _Mano Marcão, esteja em paz.
        Deu uma última risadinha e saiu ao encontro de seu destino.


P.S.: Este livro, publicado ou não, sempre estará dedicado às três pessoas que nele acreditaram  incondicionalmente, me incentivando a colocar minhas mil idéias no papel: meu colega Pedro Antônio, minha irmãzinha Camila Daniela e meu filho Jônatas.